ATA DA DÉCIMA SEXTA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 14.10.1993.

 


Aos quatorze dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e noventa e três reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Sexta Sessão Solene da Primeira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Primeira Legislatura. Às dezesseis horas e vinte minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada  à  proceder à entrega do Prêmio de Jornalismo Carmem da Silva ao Jornalista Gilberto Dimenstein, conforme Requerimento nº  02/93 (Processo nº 413/93) , de autoria do Vereador João Motta. Compuseram a MESA: Vereador Wilton Araújo, Presidente da Câmara Municipa1 de Porto alegre; Jornalista Lucídio Castelo Branco, Coordenador da Área de Publicidade da Secretaria Especial da Comunicação Social do Estado do Rio Grande do Sul, representando o Governador Estadual; Doutor Luiz de Pilla Vares, Secretário Municipal de Cultura, representando o Senhor Prefeito Municipal;  Doutora Regina Escostegui Flores da Cunha, representando a Secretaria Estadual de Cultura; Vereador João Motta, proponente da Sessão e, na oportunidade,  Secretário “ad hoc”. A seguir,  o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador João Motta, em nome das Bancadas do PT, PMDB e PDT, discorreu sobre a vida da Jornalista e Feminista gaúcha Carmem Silva, declarando que o prêmio hoje entregue, que leva seu nome, foi instituído como forma de homenagear àqueles que, através de seu trabalho, tratam da problemática da mulher na sociedade contemporânea. Comentou a importância do trabalho do Jornalista Gilberto Dimenstein, autor do livri  “As meninas da noite”, falando sobre a forma como ainda hoje sobrevivem preconceitos antigos, muitas vezes reformulados ou mascarados, e atentando para a necessidade de resolução, no presente, dos problemas básicos da nossa sociedade. O Vereador Jocelin Azambuja, em nome da Bancada do PTB, falou sobre a ho­menagem ontem realizada na Casa, referente ao Dia da Criança, quando foi destacada a opressão que enfrentam a criança e o adolescente no País. Comentou as denúncias sobre prostituição infanto-juvenil formuladas pelo Jornalista Gilberto Dimenstein, em sua obra “As meninas da noite”, destacando precisar o Brasil desse tipo de imprensa, uma imprensa séria e que realmente reflita a nossa realidade. O Vereador Lauro Hagemann, em nome das Bancadas do PPS e do PFL, disse refletir essa Sessão o re­conhecimento da Casa à atuação do Jornalista Gilberto Dimenstein, cujo trabalho objetiva levar ao conhecimento da comunidade problemas sociais crônicos como o das “meninas da noite”, proble­mas esses que precisam ser devidamente assumidos para que seja viabilizada uma solução concreta para os mesmos. A Vereadora Maria do Rosário, em nome das Bancadas do PC do B e do PPR, discorreu sobre a obra “As meninas da noite”, do Jornalista Gil­berto Dimenstein, dizendo que, aqui, essa obra tem incentivado a busca de um pensar maior sobre a prostituição infanto-juvenil, analisando as causas desse problema, nas quais se destacam, principalmente, o aspecto sócio-econômico e a “cultura do macho”, ainda hoje presente em nossa sociedade. Após, o senhor Presidente convidou a todos para, de pé, assistirem à entrega, por Sua Excelência, do Prêmio de Jornalismo Carmem da Silva ao Jornalista Gilberto Dimenstein. A seguir, concedeu a palavra ao Homenageado, que agradeceu o prêmio recebido, falando sobre a grave crise econômica e social que hoje atravessa o País, onde a criança chega mesmo a se transformar, de “esperança do futuro” em “ameaça do presente”. Destacou existirem vários caminhos para a alteração desse quadro, dizendo passarem todos pe­la via da educação, em especial pela educação da menina, que é “fonte primária da vida e da idéia da maternidade”. A seguir, o Senhor Presidente pronunciou-se acerca da solenidade, agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezessete horas, convidando os presentes para a Sessão Solene a ser realizada a seguir. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Wilton Araújo e secretariados pelo Vereador João Motta, Secretário “ad hoc”. Do que eu, João Motta, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presen­te Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assi­nada pelos Senhores Presidente e 2ª Secretária.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Damos por aberto os trabalhos da presente Sessão Solene destinada à entrega do Prêmio de Jornalismo Carmem da Silva ao Jornalista Gilberto Dimenstein.

Está com a palavra o proponente da homenagem, Ver. João Motta.

 

O SR. JOÃO MOTTA: Exmº Sr. Presidente da Casa; Ver. José Valdir; Exmº Sr. Homenageado, Jornalista Gilberto Dimenstein; Srs. Vereadores, Senhoras e Senhores. (Lê.)

“Carmem da Silva, feminista e Jornalista gaúcha, escreveu na revista ‘Cláudia’, durante muitos anos, na coluna intitulada ‘A Arte de Ser Mulher’. Foi redatora de assuntos femininos, expressando-se, invariavelmente, de maneira autônoma. Tinha no espírito traços de bom humor e ironia e escrevia artigos que caíam como UFOS incandescentes no marasmo em que dormitava a mulher brasileira daquela época.

Carmem da Silva morreu no dia 29 de abril de 1985, em Rezende, durante uma conferência sobre jornalismo e feminismo.

O Prêmio de Jornalismo, que leva seu nome, foi instituído no ano de 1991 e  um é conferido a veículos de comunicação, publicidade, programa, matéria jornalística, comunicadores ou jornalistas que tratem da problemática da mulher na sociedade contemporânea. O jornalista Gilberto Dimenstein é o primeiro a receber esta homenagem, pelo trabalho de pesquisa jornalística em ‘As Meninas da Noite’.

No Brasil os preconceitos culturais são manejados pela miséria. A prostituição - de homens e mulheres, é preciso que se diga - ganha formas modernas de organização, para conferir lucro e outros tantos miseráveis. Quem responsabilizar, afinal? O capitalismo? As elites? Parece-me reduzir demais a realidade, quando sabemos que existe neste País uma cultura de desumanidade e hipocrisia nos mais variados setores da sociedade, independente de classe, cor ou gênero. No mesmo momento em que pensamos nas formas de solucionar a fome da maioria da população brasileira, devemos inventar uma nova cultura, na qual alguns elementos me parecem fundamentais: responsabilidade, solidariedade e respeito à diferença.

Desde que alguns de nós reconheceram a impossibilidade da humanidade asséptica, dirigida por uma vontade totalitária, pretensamente verdadeira, passamos a enxergar de outra forma as tensões sociais, muito ‘além do bem e do mal’. Os pré-conceitos, ou seja, o entendimento “a priori’ da realidade podem, assim, ser considerados positivos, como objetos das disputas sociais; como fomentadores do dinamismo e como reconhecimento das diferenças, desde que maleáveis à troca e a possibilidade de socialização.

Nos últimos dois séculos, o Dionísio feminino invadiu o templo apolíneo do masculino, questionando o pequeno espaço destinado às mulheres. Primeiro, envergonhadamente, da forma a garantir sua sobrevivência, nos séculos XVIII e XIX; no século XX, os mais variados movimentos feministas dotaram-se da objetividade masculina e afirmaram uma igualdade subjetiva inexistente. Mas todos os movimentos emancipatórios, neste período, beberam da fonte da unidade e da totalidade.

As ciências naturais deram origem às humanas e varreram, mais uma vez, a possibilidade do ressurgir pagão.

‘Não há diferenças!’ Gritava a ciência médica, enquanto formulava a patologia dos desvios sexuais.

No final deste século, explodem as tensões e afirmam-se todas as diferenças possíveis. Os preconceitos subsistem, mas poucos podem pensar num mundo sem o entrecruzamento deles. Não podemos reproduzir a hipocrisia da modernidade: Bonita embalagem, mas com conteúdo explosivo.

Em ‘As Meninas da Noite’, o Jornalista Gilberto Dimenstein nos fala de outra diferença: entre os que têm direitos e as que não os têm.

A imprensa neste País tem cumprido um papel muito importante nas transformações políticas e culturais. Penso no papel que nós, da chamada esquerda, temos cumprido. No papel das outras instituições, dos partidos, principalmente. Não sei bem o que dizer.

Mas a imprensa - com destaque para a ‘Folha de São Paulo’ - tem passado este País a limpo.

Onde estaria Fernando Collor de Mello hoje, caso tivéssemos uma imprensa comprometida ou amordaçada?

Como teria se comportado a sociedade brasileira sem o verdadeiro bombardeio de denúncias, estampadas nas primeiras páginas dos jornais?

Como saberíamos do grande negócio da prostituição nos mais escondidos recantos deste País, sem a imprensa, sem a ‘Folha de São Paulo’, sem Gilberto Dimenstein?

Carmem da Silva… imprensa… feminino. Esta mulher ocupou seu espaço, na afirmação da diferença do seu gênero.

Gilberto Dimenstein… imprensa. Este jornalista escancara uma diferença que nossa hipocrisia insiste em projetar para o futuro sua extinção: seja por um salvador, por um governo bom ou, instantaneamente, numa sociedade irreal, que nunca vai existir: Queremos resolver nossos problemas no presente. Obrigado Gilberto.”

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos as presenças do Presidente da FESC, Ver. José Valdir; representante da Editora Ática, Srª Teresinha Duarte; representante da Casa de Cultura Mário Quintana, Sr. Cláudio Heemann; do representante da Assessoria Especial para Políticas Públicas da Mulher, Srª Elizabeth Neubauer.

Está com a palavra o Ver. Jocelin Azambuja, do Partido Trabalhista Brasileiro.

 

O SR. JOCELIN AZAMBUJA: Sr. Presidente; Exmº Homenageado Jornalista Gilberto Dimenstein; Srs. Vereadores, Senhoras e Senhores. Creio que é um momento muito importante da entrega deste Prêmio em que a Câmara de Vereadores concede ao Jornalista Gilberto Dimenstein pelo seu trabalho desenvolvido junto a “Folha de São Paulo”, um jornalista consciente das suas responsabilidades profissionais e pelas denúncias que também trouxe à sociedade. A Câmara de Vereadores, o Ver. João Motta foi muito feliz nesta sua proposição, porque coincidiu de nós estarmos ainda sob os efeitos de, ontem, termos tido, aqui, a homenagem ao Dia da Criança em que se fez profundas reflexões e este Plenário estava lotado de crianças que, por felicidade, estão nas escolas, não estão nas ruas da Cidade. Foi um momento muito importante para fazermos uma reflexão, não como se pensar nas homenagens de se instituir um Dia pela Criança, porque, na verdade, nós temos que refletir em todos os dias. Mas foi com este sentido da reflexão que, ontem, aqui estivemos reunidos, Câmara de Vereadores de Porto Alegre, prestando esta homenagem.

Também foi muito feliz, na nossa Comissão de Educação, a nossa colega Presidente Verª Maria do Rosário, quando também fundada nesta relação toda de denúncias que o Jornalista Gilberto Dimenstein fez o contato com a CPI, que hoje aborda a questão da prostituição infantil na Câmara Federal, e que deverá aqui estar presente na próxima semana para aprofundar esta análise.

Nós temos, realmente, que refletir sobre a nossa situação brasileira, sobre o momento grave em que vivemos de falta de atenção com o futuro deste País. Nós não estamos sabendo proteger como deveríamos a nossa juventude, a nossa infância. Nós não estamos dando, de fato, e eu tenho repetido isso, que o trabalho que temos feito ao longo dos anos é justamente na defesa do processo de educação, e temos denunciado permanentemente essa relação de desproteção que a sociedade brasileira tem dado à criança e, por conseguinte, não permitindo que se tenha perspectivas de futuro concreto para este País. Acho que a denúncia feita na sua obra reflete a realidade vivida neste País, reflete este momento amargo, triste, mas que nós, como sociedade, temos que assumir, que é culpa de todos nós. É culpa de todos os partidos que estão e que estiveram no poder, que não tiveram a atenção com a criança, que muitos se utilizaram do poder, mas não fizeram refletir aquilo que realmente as nossas crianças mereciam. E eu tenho cobrado constantemente isso, como sei que todos os cidadãos conscientes deste País cobram. E tenho dito que todos os Governos, em todas as áreas municipais e estadual, devem investir no mínimo 55% a 60% dos seus Orçamentos municipais para atender justamente a questão da Educação e a questão da Saúde neste País. Porque, se nós tivéssemos dado oportunidade a todas estas crianças, a todos estes brasileiros que estão desprotegidos de terem uma escola, de terem uma assistência familiar, de não serem abandonados - e eu tenho me negado a falar no termo de “meninos e meninas de rua”, porque eu digo que são crianças desassistidas e esta Câmara de Vereadores também aprovou proposta neste sentido, são desassistidas por esta sociedade, são desassistidas pelo Poder Público, e que nós não temos feito aquilo que realmente deveríamos fazer ao longo dos anos. A culpa que todos nós temos que assumir é de que temos que encarar de frente este problema, de não encarar somente politiqueiramente a questão da criança, como se tem feito neste País, para muita gente manter estruturas imensas que dizem atender às crianças, mas que na verdade não atendem. Essas crianças estão por aí abandonadas, sofridas e, lamentavelmente, prostituindo-se por este País.

Neste sentido, o Partido Trabalhista Brasileiro veio prestar esta homenagem e dizer que precisamos deste tipo de jornalismo: um jornalismo sério, responsável e que mostra a verdade que se vive neste País. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Lauro Hagemann que falará em nome do PPS e do PFL.

 

O SR. LAURO HAGEMANN: Prezado Ver. Wilton Araújo, Presidente da Casa, prezado companheiro Jornalista Gilberto Dimenstein, meus companheiros Jornalistas Lucídio Castelo Branco e Luiz Pilla Vares, representando o Governador e o Prefeito, Exmª Srª Regina Escostegui Flores da Cunha, representante da Secretaria Estadual de Cultura, Srs. Vereadores.

Esta não é uma reunião corporativa, poderia parecer, mas ela transcende ao corporativismo dos jornalistas. Ela reflete bem a intenção da Casa ao conceder, pela primeira vez, o Prêmio Carmem Silva a um companheiro jornalista, por sua atividade específica, muito própria do jornalismo denunciador, investigador. O fato tratado no livro e, diariamente, nas páginas da “Folha de São Paulo” reflete bem a capacidade de percepção do momento social que atravessamos. Há pouco, antes da solenidade, conversando com o Lucídio falávamos da atividade profissional que nos cerca, jornalistas. Ele dizia que o Gilberto é o legítimo representante do “Foca”, no bom sentido, a expressão jornalística daquele que, ao iniciar a atividade, procura sem perquerir sobre quem recai a sua ação, o objeto da sua atividade. O Gilberto Dimenstein, com o tempo, adquiriu um aditivo especial que é a erudição: é um “Foca” erudito. Sem desmerecer a comparação e o personagem, a quem se destina essa comparação, temos que acrescentar que o trabalho jornalístico de Gilberto Dimenstein procura trazer, para o conhecimento da sociedade, todas as mazelas que revolvem esta sociedade lá no seu escalão mais baixo. É por isso que, sem querer me alongar, me compraz saudá-lo, em nome do meu Partido e em nome do meu companheiro Jair Soares do PFL, pela distinção recebida.

Gostaria de cumprimentar, também, o Ver. João Motta, porque lembrou de conceder ao Jornalista Gilberto Dimenstein, pela primeira vez, o Prêmio Carmem Silva, que é destinado a reconhecer os trabalhos que, no jornalismo, se dedicam ao revolvimento dessas questões sociais, tão cruciantes para a sociedade, como é o caso das meninas da noite. Estamos, realmente, atravessando um período muito sério, muito grave, com esses casos que são contados no livro e que nos deixam aturdidos e sem uma perspectiva imediata de solução, mas que elas devem existir. Nós temos que trabalhar para chegarmos a esse resultado. Meus parabéns. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos a presença das Vereadoras Clênia Maranhão e Letícia Arruda e dos Vereadores Clovis Ilgenfritz, Eliseu Santos e Fernando Záchia.

Pelo PPR e PC do B, Verª Maria do Rosário.

 

A SRA. MARIA DO ROSÁRIO: Exmº Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Wilton Araújo; Exmº Sr. Homenageado, Exmª Srª representante da Secretaria Estadual de Cultura, Srª Regina Escostegui Flores da Cunha.

A verdade é que é uma satisfação enorme para nós, e do Ver. João Motta certamente que interpreta esse sentimento da Cidade de Porto Alegre, homenagear o Jornalista Gilberto Dimenstein pelo seu trabalho. Esse trabalho “Meninas da Noite”, que trata das meninas escravas do nosso País, tem sido um instrumento de trabalho de todos aqueles que defendem a criança, no País inteiro. E aqui em Porto Alegre, o seu livro tem nos movido a pensar a situação da prostituição infanto-juvenil na Capital do Estado, a articular parcerias com jornalistas que vêm fazendo essa denúncia aqui em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e eu faço questão de destacar o Jornalista Carlos Wagner Edilson Mariano, Rosina Duarte do jornal Zero Hora, e buscar a articulação também dos Poderes Públicos, em todas as esferas, no sentido de minimizar a questão, se não temos a pretensão de resolvê-la nessa estrutura social. Eu diria que o livro-reportagem “Meninas da Noite”, de sua autoria, coloca-nos dentro de um mundo que é desconhecido para as camadas médias da população, um mundo que certamente nós não vivemos, mas que é real, porque os personagens são verdadeiramente reais, e que nós temos que nos tocar com isso.

Parece-me, e nos depoimentos que temos ouvido sobre a situação de Porto Alegre aqui na Câmara Municipal, que a raiz de tudo isso encontra-se na desarticulação da família, que é produto de toda uma desarticulação social e nessa crise social em que vivemos certamente que a criança é a primeira vítima, certamente que é a vítima que sofre mais cruelmente, por não ter condições de defender-se. Além da questão econômica e social, que acho que está destacada em todo esse trabalho desenvolvido pelo Jornalista Gilberto Dimenstein, eu gostaria de destacar uma segunda questão, que talvez seja pouco lembrada, que a obra traz, mas que não podemos esquecer, que é a questão da cultura do macho. Porque existe quem corrompe, existe por trás de uma menina agenciada na Voluntários da Pátria ou na Amazônia, na Praça Parobé ou no nordeste do Brasil, um homem que agencia, alguém que promove a violência sexual, e que certamente se ampara em uma cultura, a cultura da propriedade da mulher e a cultura da propriedade da criança. Uma sociedade que é “adultocêntrica”, que dirige a criança, e o adulto que pensa que aquela criança é de sua propriedade. Acho que frente a toda essa denúncia que no seu trabalho foi realizada, resta-nos desvelar as realidades regionais, comprometermo-nos ao máximo com a punição desses que são responsáveis, mobilizar o Poder Público no sentido de que venham a ser punidos os agenciadores de crianças. E que nós tentemos defender esses direitos que estão escritos, hoje, no Estatuto da Criança e do Adolescente, não como uma letra da lei, mas verdadeiramente como uma realidade viva, com uma nova possibilidade para as crianças e adolescentes do País.

Quero cumprimentá-lo de todo coração, o seu trabalho tem sido muito importante, seja na “Folha”, como nas suas obras. E nós, tentamos, como reflexo, fazer com que esse trabalho seja vivo a partir das denúncias da região de Porto Alegre hoje. Muito obrigada. (Palmas.)

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos a presença da Srª Ariane Brusius, representante do GEEMPA.

Neste momento, convidaria a todos para que, em pé, assistíssemos e participássemos da entrega do Diploma que confere o Prêmio ao Jornalista.

 

(É entregue o Diploma ao homenageado.)

 

O Jornalista Gilberto Dimenstein, nosso homenageado, está com a palavra.

 

O SR. GILBERTO DIMENSTEIN: Eu confesso que, apesar de conviver com políticos há muitos anos, tenho muita dificuldade para formalidades, até porque aprendi que jornalista deveria fazer notícia e não ser notícia. De qualquer forma, algumas eu vou respeitar.

Sr. Presidente, colegas, companheiros de Mesa, nobres Vereadores, Ver. João Motta, obrigado pela indicação.

Existe uma frase que me impressionou muito, de um poeta indiano chamado Rabindranat Tagore, Prêmio Nobel de Poesia. Ele escreveu a seguinte frase: “A criança é a eterna esperança de Deus no homem”. É tão triste quando vemos o contrário! Pois a criança, no Brasil, é a eterna incompetência do homem. Ontem no Rio de Janeiro, mais uma vez, o Brasil mostrou o símbolo da sua degradação, ou seja, no Dia da Criança a cena que marcou foi de guerra, foi a cena de crianças espancando e sendo espancadas. Triste a Nação, mas triste mesmo, na qual as crianças que deveriam ser o futuro, se transformam numa ameaça; na qual deveriam ser a esperança, são a desesperança. Tornarem-se uma ameaça de que elas foram vítimas, de que a Nação foi vítima. E são vítimas de uma série de arrastões: o arrastão da deseducação, o arrastão da falta de saúde, o arrastão da incompetência pública, o arrastão da ganância privada, o arrastão da corrupção, o arrastão da impunidade.

Nós não estamos construindo uma Nação, estamos construindo um aglomerado involuntário de seres raivosos e acusados. Foi-se o tempo do “brasileiro: profissão esperança”, hoje somos “brasileiros: profissão medo”. Medo dos bandidos, medo da polícia, medo do desemprego, medo da hiperinflação, medo dos jornalistas, medo dos políticos. Devemos ter medo de as pessoas terem medo da democracia. Será que o Brasil não é viável? Será que esse arrastão da miséria faz parte de alguma indestrutível alma nacional? Será que nós, elite, somos tão incompetentes assim? Incompetentes para aproveitar vantagens tão grandes e transformá-las em tanta incompetência? Num País com tanto sol, terras férteis, florestas, sem guerras externas, conflitos raciais, conflitos étnicos e religiosos, criamos nossas próprias guerras e não sabemos como negociar a paz. E, nessa guerra, nós temos que produzir cenas inacreditáveis, como uma criança sentir medo de sair à rua, por causa de um par de tênis, como uma criança se tornar a nossa maior inimiga, ou a maior inimiga do imaginário popular.

Eu gostaria de, neste momento, alertar a nossa sociedade: os meninos e meninas de rua estão tentando mostrar isso. Sofre mais quem pode menos, que é o que eu chamo de “lei da covardia social”. Quanto mais frágil, mais a sociedade pisa. A criança é mais frágil, e a menina sofre violência de ser menina de rua, mais a violência sexual. Uma das meninas que entrevistei me contou que foi abusada, sexualmente, por um policial. Para elas o Estado não é o colégio; para elas, o Estado é o policial que abusa, que estupra, que cobra propina para não as prender na rua. Há vários caminhos para se mudar esses arrastões sociais, todos passam pela Educação. Não há melhor investimento social, não há investimento mais competente e com retorno tão grande como a Educação e, particularmente, na Educação da menina, que é fonte primária da vida e da idéia da maternidade. Eu, nesta curta exposição, queria fazer um apelo, e mais que isso, eu queria implorar a vocês, que são homens públicos e que influenciam, em maior ou menor grau, o destino de prefeituras, governos e, quem sabe, eventualmente, presidências num ponto específico. Os problemas nacionais são imensos, mas há coisas que têm que ser feitas imediatamente. A Nação não pode mais ficar, um único dia, um único minuto, sem planejamento familiar. Nós não podemos deixar cifras, como de um milhão e meio de meninas grávidas por ano. Hoje a maior causa de morte entre adolescentes é o aborto. Temos que forçar os governos, temos que enfrentar preconceitos, temos que enfrentar preconceitos, temos que enfrentar dogmas, para que cada mulher seja acompanhada na sua saúde - não estou discutindo aqui uma questão de quantidade de habitantes, mas a qualidade de vida dos habitantes. Enquanto tivermos vergonha de assumir posições realmente ligadas à população, ligadas à saúde da mulher, ligada à liberdade e aos direitos humanos que signifiquem reprodução humana, vamos ficar dando prêmios de jornalismo a pessoas que contam catástrofes; e não, grandes descobertas. E não quero esse tipo de coisa. Abriria mão desse honroso prêmio em função de uma realidade não existente. Preferia estar fazendo outras coisas, brincando com o meu filho numa chácara, estudando yoga ou alimentação vegetariana. Nós, no Brasil, hoje estamos numa encruzilhada: ou somos o País da educação, ou somos o País do arrastão; ou somos o País em que a criança é esperança, ou somos um País em que a criança é motivo para que demagogos irresponsáveis chamem as forças armadas para cuidar da rua, como se lugar de militar fosse caçar bandido no meio da rua. Era isso. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Ao encerrarmos esta Sessão Solene de entrega do Título Carmem Silva ao Jornalista Gilberto Dimenstein, resta-nos agradecer a presença de todos, a honrosa presença do nosso homenageado. A Câmara e a Cidade de Porto Alegre, não só pelo prêmio, mas tenho certeza de que irão cobrar, assim como todo o Brasil já cobra, uma atuação sempre persistente do Jornalista Gilberto Dimenstein nesta linha conseqüente que a sociedade reconhece.

Nesse sentido, os representantes do povo de Porto Alegre concedem este prêmio para estimular e, de certa forma, cobrar o trabalho árduo que deve ser feito e continuar a ser feito diariamente.

Agradecemos a presença de todos, dos Srs. Vereadores, do Sr. Secretário, dos senhores representantes.

Estão levantados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h.)

 

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